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No último dia 11 de outubro, os urbanitários do Pará tiveram uma importante vitória na luta contra a privatização da água e do saneamento.
O Stiupa conquistou uma liminar em Ação Popular para suspender dois Decretos Municipais de Santarém/PA que determinavam a caducidade do Contrato de Programa com a Cia de Abestecimento do Estado (Cosanpa), como passo inicial da privatização do sistema de saneamento do município.
Leia a decisão do juiz com o deferimento da Ação Popular:
PROCESSO: 0805607-74.2019.8.14.0051
AÇÃO POPULAR REQUERENTE: NARCISO JOSE FONSECA DE SENNA PEREIRA
ADVOGADO: LUIZ ALBERTO G. S. ROCHA (OAB/PA 11.404)
REQUERIDO: MUNICIPIO DE SANTARÉM
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO DECISÃO
Apresentada a Contestação pelo Município de Santarém, passo à apreciação da liminar.
Compulsando os autos, verifico presentes os requisitos necessários à concessão da tutela de urgência pleiteada, previstos no art. 300 do CPC, quais sejam, a probabilidade do direito invocado e o perigo na demora, senão vejamos.
Inicialmente, destaco que, em 17/01/2012, foi sancionada a Lei Complementar nº 79/2012, que instituiu a Região Metropolitana de Santarém, composta pelos Municípios de Santarém, Mojuí dos Campos e Belterra. Referida legislação entrou em vigor na data de sua publicação.
Sobre a região metropolitana, essa pode ser conceituada como o conjunto de diferentes municípios próximos e interligados entre si, normalmente construída ao redor de uma metrópole, uma cidade central e mais desenvolvida. É, pois, uma área composta por um núcleo urbano densamente povoado e por suas áreas vizinhas menos povoadas.
Não obstante, em que pese a existência da Região Metropolitana de Santarém desde 2012, o Município de Santarém firmou, em 21/06/2013, isoladamente, Contrato de Programa nº 01/2013 com a Companhia de Saneamento do Pará – COSANPA para a prestação de serviço de abastecimento de agua e esgotamento sanitário no município (saneamento básico), com a vigência inicial de 20 (vinte) anos, podendo ser prorrogado. Referido instrumento trouxe, em seu bojo, diversas cláusulas, inclusive prevendo quanto às causas e formalidades para a extinção do contrato.
Antes de se prosseguir com a apreciação da liminar e para melhor compreensão da matéria posta à análise, todavia, cumpre destacar alguns conceitos básicos acerca da problemática em questão.
Segundo o art. 3º, inciso I, da Lei Federal nº 11.445/2007, saneamento básico é o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: (i) abastecimento de água potável; (ii) esgotamento sanitário; (iii) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e (iv) drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.
Sobre a questão das regiões metropolitanas, a Constituição Federal, em seu § 3º do art. 25, previu que caberia ao Estado a instituição destas, das microrregiões e aglomerações urbanas. A Carta Magna não explicitou, porém, as regras para a implantação, forma de gestão e governança destas regiões. Criou-se, pois, um vazio institucional, contribuindo para os conflitos de competência e facilitando a proliferação de regiões metropolitanas em todo o país, criadas sem nenhum critério e sem atendimento ao seu próprio conceito, que é a existência de uma metrópole.
A ausência de regras claras contribuiu para que existisse, por muito tempo, divergências a respeito da competência sobre os serviços de saneamento básico nessas regiões.
Assim, para pacificar a matéria, após 13 (treze) anos de intenso debate e conflitos sobre a competência dos serviços de saneamento básico, em 06/03/2013 (ou seja, antes de se firmar o Contrato de Programa nº 01/2013, que data de junho de 2013), o STF concluiu simultaneamente o julgamento de duas ADI, estabelecendo um novo regime jurídico-constitucional para as regiões metropolitanas, no qual, prevalecendo o bom senso, definiu-se pela gestão compartilhada entre o estado-membro e os municípios integrantes, por meio de uma entidade metropolitana intergovernamental.
Deste modo, a titularidade seria municipal quando o serviço fosse de interesse local, e a gestão seria compartilhada quando se tratasse de região metropolitana. Nas referidas decisões, ainda, o STF dispôs que a criação de região metropolitana é compulsória, só dependendo de lei complementar, não sendo necessário que os municípios concordassem.
A sua criação não transfere ao Estado-membro, todavia, competências municipais, mas obriga que os municípios as exerçam de forma colegiada, por meio de entidade metropolitana intergovernamental, que deve definir a sua forma de governança. As decisões tomadas por essa entidade vinculam todos os seus entes integrantes.
Ao serem constituídas as regiões metropolitanas, então, a titularidade da gestão dos serviços de saneamento básico não deixa de ser municipal, o que ocorre, em verdade, é que nessas situações o interesse comum a vários municípios se sobrepõe ao interesse local, o que caracteriza a chamada gestão compartilhada.
A participação dos entes nesse colegiado não necessita ser paritária, desde que apta a prevenir concentração do poder decisório no âmbito de um único ente. Destaco, por oportuno, que a decisão do STF foi modulada para produzir efeitos dois anos da data do julgamento, portanto, a partir de 06/03/2015.
A título de exemplo, após a decisão do STF, o Estado da Bahia saiu na frente, instituindo uma nova forma de governança para a Região Metropolitana de Salvador, de forma que o Governo do Estado, por meio da Lei Complementar nº 41/2014, criou a Entidade Metropolitana, dispondo sobre a sua estrutura de governança e sobre o sistema de planejamento, com planos metropolitanos que deveriam ser obrigatoriamente atendidos pelos municípios e pelo estado, além da criação de fundos para a universalização dos serviços de saneamento básico e de transporte e mobilidade urbana.
Tratou-se, assim, da primeira Região Metropolitana reorganizada depois da decisão do STF. Destaco, ainda, que, com o objetivo de suprir o vazio institucional sobre a gestão de regiões metropolitanas, surgiu o Estatuto das Metrópoles (Lei nº 13.089/2015), que estabeleceu as diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, as normas gerais do plano de desenvolvimento urbano integrado, os instrumentos de governança interfederativa e os critérios para o apoio da União as ações de desenvolvimento urbano.
Pois bem. Após a explanação acima, cumpre adentrar no mérito do pleito liminar. Conforme destacado, a decisão do STF que instituiu a gestão compartilhada dos serviços de saneamento básico nas regiões metropolitanas começou a produzir efeitos em 06/03/2015. Assim, em que pese na data em que o Contrato de Programa nº 01/2013 (21/06/2013), entre o Município de Santarém e a COSANPA, tenha sido firmado não estivesse produzindo efeitos, ainda, a determinação do STF de gestão compartilhada dos serviços de saneamento básico, após março de 2015 passou a valer essa determinação. Consequentemente, após esse marco, as decisões não mais poderiam ser tomadas de forma isolada pelo Município de Santarém, e sim com a participação obrigatória de todos os entes públicos atingidos, quais sejam, o Estado do Pará e os demais municípios integrantes da Região Metropolitana de Santarém (Mojuí dos Campos e Belterra).
Deste modo, mesmo que não tenha havido a ratificação do Contrato de Programa nº 01/2013 pelos demais entes públicos após março de 2015 – o que entendo ser necessário - ainda assim não poderia ter sido decretada a intervenção e caducidade do contrato de forma isolada pelo Município de Santarém, pelos motivos exaustivamente acima elencados.
Assim, em sede de cognição sumária, verifico presente o fumus boni iuris. Quanto ao periculum in mora, da mesma forma, resta evidente, ante aos enormes prejuízos a serem suportados pela COSANPA e pelos usuários do serviço, diretamente atingidos nesse caso.
Diante do exposto, DEFIRO o pleito liminar para suspender, imediatamente, os efeitos dos Decretos Municipais nº 171 e 172, ambos de 30 de maio de 2019, da Prefeitura Municipal de Santarém, até o julgamento do mérito desta demanda. Intimem-se as partes da presente decisão.
Vista ao Autor para, no prazo legal, apresentar Réplica à Contestação do ID nº 12312747.
Transcorrido o prazo, autos conclusos para nova deliberação.
Expedientes necessários.
Santarém, 11 de outubro de 2019.
CLAYTONEY PASSOS FERREIRA
Juiz de Direito
